segunda-feira, 26 de abril de 2010

Trauma

A faca ainda pingava sangue.
Com um rodo, um esfregão e lágrimas,
Limpava tudo, ou escondia no ralo.

Num peito, que pulsava um coração,
Um buraco e nada mais.
No outro, jorrava um leite aquoso, ralo.

Ligou o chuveiro. Mas, a água não o tocava.
Água não lava alma.
Olhou no espelho. Mas, não via sua cara.
Espelho serve para refletir.

Ficou ali parado, totalmente atordoado,
Pensou em olhar para o lado,
Mas, permaneceu paralisado.

Visualizou toda a cena:

Acenou no elevador, perguntou da família
E como é que andava a gestação.

Arrombou a porta - ouvira gritos de virilha
Que lhe chamaram a atenção.

Um vulto fugia pela janela do varal.

Ela, no chão da sala, torta e, nos fartos seios, um punhal.
Ela, no chão, na vala, morta e nós, fortes, sangrentos, no cordão umbilical.

Levantou-se, zonzo, do boxe e se recompôs.
Mas, nunca se levantou da lona.
Levou a vida, sonso, feijão e arroz,
e nunca levou nada à tona.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Desalento

Ele já estava cansado,

Até que alguém, iluminada,

O fez pulsar.


Pensou que havia encontrado,

Mas havia desdém, ou nada,

Quis parar.


Debateu-se, fortemente, contra o peito.

Buscou, no inteligente, algum defeito,

Ou o que, de errado, havia feito.


Bebeu derrotado,

Fez-se em mil.

Acordou de lado,

Dormindo em Abril.


Fechou os olhos, para não ver,

Para não sentir.


Como se bastassem duas pálpebras

Para os mil olhos da insônia.

Como se batessem mil facas por traz.

Encheu o peito de grama e amônia,


Para esquecer.

Para perder memória.

terça-feira, 23 de março de 2010

Vem e Vai ... e Vem.

Ah, meu bem !
não vem, que não tem
pássaro na mão.

Queira, quem amas, solto.

Ame,bem.
deixe ir além,
escapar a sua razão.

Eu, também, quero outro,
além do seu, coração.

Quero engulir o mundo inteiro,
desde que engula você.
Eu posso até mudar de espelho,
mas, meus olhos vão te ver.

Ah, meu bem.
Vem, porque, tenho solidão.
vem e pinta minha roupa.

Sinta, sem me prender na sua mão.
Voe no céu da minha boca
e deita no chão.

Equinócio

A lua não brilhava mais
O brilho no céu vinha
Dos raios artificiais

De repente ouvi um grito
O canto louco e suave
Do farfalhar do teu vestido

Com aquela presença ao meu lado
Alguns centímetros subi no ar
Achei que estava tudo acabado

A leveza do teu pesar
Iluminou meu rosto
Me fez, de novo, sonhar

E de repente, não mais que de repente
Vejo de novo o insistente piscar
E sinto o peso em mim novamente
E ouço o preto do seu vestido se afastar

A lua não brilhava mais
O brilho no céu vinha
Dos raios artificias

O vinho volta à boca
O cigarro volta a queimar

Libertinagem

Assentei-me no banco,
fumei um livro,
li uns cigarros.

Laventei-me, branco,
levei raiva comigo,
xinguei os carros.

Gritei-me, tanto...
cocei a cara e o umbigo.
Cuspi risos e catarros.

Mandei todos irem a merda.

Foi quando percebi que já estavam nela.

Acendi-me uma vela,
orei, olhei
e pulei da janela.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Alto-Retrátil

Há um grande fato
em ser um feto.

Nada no mundo te afeta.
És, na verdade, feliz de fato.

Vai, aos poucos, perdendo a fotofobia,
sainda de onde, talvez, não queria,
de onde não tens nem retrato, nem foto.

Nada te faz falta.
Faz tudo e não faz nada.

De repente, sente o frio,
vê uma fresta branca...

aos poucos,
do chão se levanta.
Aprende a usar a garganta.

Fala, grita, canta !

Chora, suplica, canta.

E, por fim, acaba
sozinho, no seu canto.

No seu pranto.

Sinal de Sequela

A água já não satisfaz a sede,
já não há árvore pra estender rede.
O pólem, a pele, a planta
deitada, esticada, na manta.

O pé, do chão se levanta,
é levado, elevado. Alavanca
a mente sã. Tá
tudo uma bosta.
De repente, agente gosta.

O mundo, que vira as costas,
abre, agora, suas portas.

A luz bate, soca, na sua cara,
cara-a-cara com a mente.
Frente aquela que: não falha,
tarda, mas, não mente.